"Ali vai, num desses comboios a vapor, pouca-terra, pouca-terra, a paisagem a correr lá fora e, ele, a querer agarrá-la bem, espreitando à janela aberta, e as faúlhas a entrarem-lhe para os olhos e a fazerem-no chorar. Vira-se então, para trás, e deixa os cabelos soltarem-se ao vento, como se fosse de bicicleta, e mistura, assim, espaço e tempo, entrando, de novo, nas viagens fantásticas que sempre gostou de fazer.
De uma das vezes, foi com um grupo de companheiros do liceu ao enterro de um colega, morto na flor da idade. Viajaram numa carruagem de terceira classe, com bancos amarelos de madeira, a linha férrea estreitinha curvando em capricho pelos sopés dos montes, até chegarem ao destino, na sua terra natal, Chaves. Era Inverno e, no pequeno cemitério, o frio, cortante como navalhas, obrigava-os a encostarem-se uns aos ouros, a juntar-se ao medo dessa realidade chamada morte.
Assim, com os comboios e a morte a rimarem na sua memória desde muito cedo, foi com curiosidade que se preparou para ver a fita do francês Patrice Chéreau, Quem me Amar Irá de Comboio. Claro que os comboios são outros, e aqueles em que andava na sua juventude, há muitos anos, desapareceram da paisagem transmontana. Para ser mais preciso: já não se ouve o apitar dos comboios nas linhas férreas desse reino maravilhoso, como lhe chamava o poeta; os carris estão enferrujados e as ervas invadem-nos, como numa fita de Bertolucci."
Excerto de Comboios, texto publicado em Outras Fitas (1999), de Eduardo Guerra Carneiro (1942-2004).
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