Sexta-feira, 28 de Maio de 2010

Discursos Sobre a Cidade - 100 - Por Gil Santos

 

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CASSAPOS


Manuel Fagundes Arrebita, era um preguiceiro. Nunca fez nada que jeito tivesse do que exigisse puxar pelo lombo bem entendido, porque no negócio era um portento. Nasceu na rua Verde, sabe Deus quando. Órfão temporão de pai, sua mãe consumiu-se ainda nova por mor de o criar desparasitado e bem nutrido. Finou-se pouco antes de o ver nas sortes, altura tida como a do verdadeiro desaninhar.


Até àquela altura polia esquinas, o mesmo é dizer não fazia a ponta de um corno. Parava pelos Quadradinhos, seu escritório, sempre atento às conversas dos engraxadores e aos negócios dos aldeãos que nos dias de feira faziam do Arrabalde o ponto de encontro. Mestre da manigância fazia da rua escola e mais tarde da tropa universidade.


Pelos dezanove anos assentou praça no Quartel de Infantaria Dezanove, onde refinou a arte de prestidigitador no contacto directo com a corja do ardil. A tropa manda desenrascar e ele rapidamente se desenrascou.


Quando um mancebo assentava praça, era-lhe distribuído, para além do fardamento, uma panóplia de outros artefactos que ficavam à sua responsabilidade por todo o tempo que se encontrasse a cumprir o serviço militar. Tinha de os apresentar no dia do espólio, isto é de passagem à disponibilidade ou à peluda como se dizia na gíria da caserna. Se esses equipamentos não fossem apresentados, havia que os pagar e a bom preço. Ora ninguém estava para aí virado, pois o dinheiro era ainda mais escasso do que é hoje. Por isso, sempre que alguma coisa desaparecia, era costume fazer-se uma de duas coisas: ou se mantinha o bico calado e na primeira oportunidade subtraía-se a outro, que provavelmente já a havia fanado a um outro e assim sucessivamente, ou então comprava-se no mercado negro, de preferência por uma bagatela.


O Arrebita não precisou de muito tempo para se enfarinhar no negócio. Prestes se transformou num autêntico padrinho napolitano. À sua conta tinha para mais de uma dezena de larápios, a quem comprava a mercadoria por tuta e meia e que depois metia no armazém-loja que tinha nos baixos de sua casa. Este estabelecimento só abria as portas a gente de confiança. Quem roubava sabia a quem vender e quem precisava a quem comprar. No seu supermercado havia de tudo: fardas completas de qualquer número, bonés e botas, sapatilhas, cintos e cartucheiras, balas granadas e cantis, baionetas, marmitas, garfos e colheres, havia inclusivamente peças avulsas de armas como culatras, canos e coronhas nomeadamente da conhecida Mauser Vergueiro. Não faltava nadinha. Se no momento não houvesse em stock, o cliente que ficasse descansado, dentro de um ou dois dias seria servido. O negócio era próspero enquanto andou na tropa. Quando passou à peluda enfraqueceu por ausência do cheiro da caserna. Mas ainda assim dava para viver e isso é que interessava.


Arrebita, era uma verdadeira toupeira do mercado subterrâneo, um dinossauro da compra e venda de material de guerra. Dizia-se que chegavam a vir do Porto à procura da sua mercadoria. Vivia bem o lapantim e sem fazer nada. Lábia não lhe faltava e se fosse preciso trabalhar noutro ramo, por exemplo armar estrangeirinhas para ludibriar bagalhuços aldeãos, não se ensaiava nada.


Por falar em conto do vigário lembrei-me agora de uma que lhes conto.

 

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Estando um dia no Arrabalde, Manuel ouviu dizer que o governo tinha contratado uma série de engenheiros para que fossem pelas aldeias do concelho actualizar as medições dos prédios rústicos para rectificação das matrizes prediais e respectiva actualização das contribuições, décimas, como à época se chamavam.


Viu a dele boa: iria ser engenheiro das medições!


Reuniu com o sócio Necrotério, antigo camarada de caserna, seu braço direito e juntos montaram a estrangeirinha:


Primeiro era preciso vestirem-se como verdadeiros engenheiros.


Depois afinar a linguagem técnica.


Por fim arrear as montadas e cavalgar por essas aldeias além.


Assim foi.


Foram ao Sarmento e botaram os metros de tecido necessários para dois fatos que o alfaiate Queirós haveria de fazer à medida. Camisa branca e gravata a dizer com a fazenda. Depois às Curadoras: botas cardadas e polainicos. No chapeleiro da rua Direita mercaram finos chapéus de felpo.


A seguir ensaiaram o paleio técnico, o que não foi nada difícil por serem especialista do endrominanço.


Por fim arreios a preceito para os cavalos, comprados nas lojas da especialidade à muralha do Baluarte do Cavaleiro.


Combinaram nomes falsos, engenheiro Teodoro para um e Torcato para outro.


No dia combinado abalaram serra arriba.


Iniciaram a saga pelo Barroso. Pedrário, primeira aldeia para experimentar. Correu de feição, continuaram, apurando cada vez mais o guisado.


E como faziam?


Chegavam ao lugar e procuravam o Regedor por mor de saber quem eram os grandes proprietários e ainda para dar peso institucional à coisa. Depois instalavam-se em casa de um dos mais ricos da aldeia. Armados de pasta, bloco de notas e teodolito, iam por essas courelas fora, acompanhados do proprietário e vai de fingir que mediam, que escrevinhavam e que tiravam os azimutes. Interim iam dialogando sobre a metragem e o imposto a que correspondia. Criavam assim o ambiente favorável para que os lavradores percebessem que pagariam grossa maquia de décima. Claro… a não ser que estivessem dispostos a compor a coisa com uns presuntos, uns salpicões e uma notitas de cem. A estratégia resultava, porque uma coisa era presentear uma única vez os engenheiros e outra a vida inteira o Estado!


O negócio corria de vento em popa. Os melros engordavam a olhos vistos e os proprietários contentinhos porque nalguns casos ainda iam pagar menos do que o que desembolsaram os seus avós.


Negócio perfeito.


Acabando numa aldeia partiam para outra levando o alforge repleto e a carteira anafada.


A coisa foi andando.


Quando viram que a teta barrosã tendia a secar e até mesmo para não dar muito nas vistas, viraram-se para o Planalto do Brunheiro.

 

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Claro está que naquela época as notícias corriam à velocidade do caracol. Contudo, mesmo assim, feira a feira não deixavam de se actualizar as novidades. Evidentemente que quem tinha sido favorecido pelas medições e eram quase todos os que tivessem por onde pagar, calavam-se como ratos. Porém, um ou outro lá se ia descaindo com os amigos e a notícia foi-se espalhando.


Ao Ti Moreiras do Carregal, pequeno proprietário, conhecedor de meio mundo, batido pelas balas do boche na guerra dos dezassete e curtido pela miséria dos campos de concentração alemães, chegou a notícia pela boca de um camarada barrosão que era um grande proprietário rural de Vilar de Perdizes e o acompanhou na Saga de Chaves a Copenhaga, nessa maldita Grande Guerra.


— Ó Moreiras, sabes que um destes dias, apareceram-me lá por Vilar dois engenheiros das medições! Olha que engrampei bem os filhos da curta! Mamaram-me umas chouricitas e uns presuntos, mas consegui que baixassem para metade as áreas das minhas poulas. Estou que vou pagar ainda menos de décima do que o que pagava inté aqui.


— Não me digas Aniceto! À minha terra ainda não chegaram. Conta-me lá os pormenores para eu fazer o mesmo.


Contou tudo timtim por timtim.

 

Passado uns tempos e umas feiras mais, já se comentava de que tinha havido tramóia com os engenheiros no Barroso. É que parece que apareceram por lá outros, se calha os verdadeiros e a coisa estava a desmascarar-se.


Entretanto, o Arrebita e o companheiro, continuavam na fresca ribeira a meter para o bucho e para o bornal, agora em terras do Planalto. Todavia, quando chegaram ao Carregal, terra do Ti Moreiras, ele já estava precavido e fez-se de mula!


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Recebeu o Regedor muito bem, aceitou que as companhias se instalassem lá em casa durante os dias que fossem precisos para o trabalho das medições.


O esquema era o mesmo de sempre.


O casal do Ti Moreiras ficou para último.


Daí a dois dias já estavam arrecadados na adega presuntos e cambalhotas de salpicões e linguiças, pagas de favores.


Estiveram por lá quase uma semana.


Os dias passavam-nos nas terras, os serões a ouvir as histórias de guerra que o anfitrião fazia questão de contar na primeiríssima pessoa.

Na última noite o Ti Moreiras e uns quantos do lugar, tinham uma surpresa reservada para os artistas.


Aquela noite estava fria como navalha de sincelo e negra como breu. Era Fevereiro, cerca do Entrudo e pelo Planalto soprava um vento galelo danado. Levava orelhas, barba e o mais que estivesse ao relento. Fosca-se!


Ora, depois de farta ceia de couve penca, feijão vermelho e pernil fumado, fizeram como nos outros dias, largo serão. Só que desta vez no lugar das histórias havia chincalhão[i] e cachaça para aquecer. Já tudo meio grogue, o Ti Moreiras sai-se com esta:

 

— Ó rapazes e se fossemos aos cassapos? Deve ser novidade aqui para os nossos amigos e a noite está mesmo à feição!


— Boa ideia — disseram os amigos.


Mesmo os falsos engenheiros ficaram entusiasmados. Só não sabiam o que eram cassapos.


— É surpresa, vocês vão ver. Haveremos de fazer uma tainada do catano amanhã!


— Assim seja — concordaram os engenheiros.


Foram então combinadas e distribuídas as tarefas. O Ti António Moreiras e os vizinhos, conhecedores do terreno e dos carreirões que os cassapos trilhavam para se alimentarem à noite, ficaram com a missão de os tocar até às embocaduras dos sacos, aí os engenheiros, em silêncio, colocar-se-iam cada um com seu saco de serapilheira bem aberto, para que os bichos acossados entrassem.

 

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— Não tem nada que saber, os senhores engenheiros vão ficar, um na Ladeira junto ao toco das raposas e outro nos Cáximos, junto à poça, de saco aberto no meio do carreirão, por onde eles hão-de passar. Como é de noite e eles vêem mal entrarão nos sacos. Têm é de ficar caladinhos para que não se assustem e tornem para trás. Nós vamos à volta e tocamo-los até aos senhores. Logo que entrem, fazem o favor de fechar bem o saco e aguardarem-nos para que lhe tiremos o pio.


— E os bichos mordem? — perguntaram em uníssono os engenheiros.


— Qual quê, são mansos como cordeiros, vão é ser mordidos por nós na janta de amanhã. Vamos?


Lá foram serra fora. Os aldeãos acautelados de samarra, boina galela e varapau para tocar os cassapos, os engenheiros, corpo bem-feito e saco de serapilheira às costas.


O senhor engenheiro Teodoro ficou no cimo do Belão, na Ladeira entregue a um carreirão onde corria um briol de tralhar a medula dos ossos, o Torcato ao lado da poça do Cáximos, já em carambelo pelo sereno da noite.


Puseram-nos em posição, aconselharam silêncio e foram tocar os cassapos, evidentemente para as mantas quentinhas e fofas de suas camas.


Os engenheiros estiveram à espera até de madrugada. Enregelados!


Os cassapos não apareceram.


Quando se deram pela tramóia, sebo nas canelas e a butes para Chaves!


Largaram montadas, salpicões, linguiças e presuntos.


Não deixaram o próprio canastro porque não foram audazes ao ponto de reclamar os pertences!..


Até hoje, nunca mais ninguém os viu pelo Planalto.



Benditos sejam os cassapos e mais quem nos inventou!





[i] Jogo de batota com cartas.

Gil Santos

 

 

 

 


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Sexta-feira, 14 de Maio de 2010

Discursos Sobre a Cidade - 98 - Por Tupamaro

 

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CONVERSAS COM ZEUS”

-IX-

Terrenos e Celestenos


 

Cheirou-lhe a Primavera cá para estas margens atlânticas e Zeus chegou-se a uma das sacadas parecidinhas com as de CHAVES e espreitou a Normandia Tamegana.


Bem, temos de, já, já, reconhecer que Zeus tem bom gosto e que até umas certas Fotografias de um tal Dinis lhe «enchem as medidas».


Íamos a caminho de Samarcanda. Deu conta da nossa passagem. E, como aprendeu bons costumes com os Bichos do Reino Maravilhoso, chamou por nós, e convidou-nos para beber.


Nós até já lhe conhecemos muitas divisões dos seus muitos palácios, palacetes e casas.


Mas não contávamos era ver um rico presunto penduradinho na Adega para onde entrámos.


Zeus é perspicaz e topou aquele tracinho insignificante que se nos escapou com a surpresa.


 

- Este é de CASTELÕES! – atirou-nos sem mais nem quê.


Pega num pichorro, e armado ao pingarelho, vira-se para nós e interroga:


- Branco ou Tinto?

 

- Ai que baile! – pensámos cá com os nossos botões.


Desconversámos, e dissemos:


- Do Silveira, da AGRELA de ERVEDEDO.

 

- Fintaste-me! Desse ainda não o proβei! Mas, já agora, dou-te a penitência de me arranjares um caneco dele, dê lá por onde der!

 

Uf! E Samarcanda ainda tão distante!


Uma comadre de Hera entrou com uma rica sêmea de LEBUÇÃO, dois pães – centeio da CASTANHEIRA, três trigos de quatro cantos de FAIÕES acomodados num tabuleiro feito por um artesão de CARVELA e mostradinhos numa toalha de linho feita e bordada em SOUTELO.


Mal reparámos na comadre - devia ser prima direita de Afrodite!... – e já na tampa da tulha «pintavam» mais dois salpicões e três linguiças.


-Ó Zeus, pára lá com isso!


Sabes bem que ….

 

- Bem m’ǿu finto! – interrompeu.


Quero mostrar-te que apesar de tu e toda a gente «andardes» a falar da franqueza transmontana ‘inda nem destes bem conta de quanto vale.


Como «vês e podes ver» ela consola os “terrenos” e regala os “celestenos”.


Chega-te pr’àqui. Afinfa-lhe. Esta Linguiça é de SEGIREI, aquela é de AVELELAS, a outra é de SOUTELINHO. O Salpicão da Língua é do CANDO; o outro é de VILAR DE IZEU.


Chega-lhe! ‘Inda tens muito caminho pela frente!

 

Bem, lá fizemos «o sacrifício» de βotar uma pinga a cada fatia e rodela das proβações.


E vós já saβindes como são estas proβações ….


-Atão. E das cheias?! Que me dizes? - pergunta-nos Zeus, com ar trocista

 

-Cheias?!


Cheios andamos nós, durante todo o ano, das palermices, idiotices e cretinices dos que, a troco da conversa fiada de zelarem pelo destino da Nossa Terra, nos dão cabo da paciência e da vida - retorquimos.

 

Pinga daqui, rodela dacoli, carolinho dali, o tempo corria e Zeus falava:


-Bem! É mais que sabido que o vosso «Pinóquio», primeiro Ministro, claro, é um traficante de aldrabices e trampolinices.

É um daqueles reles transmontanos que vos envergonham.


Serve-se das Gentes e do Reino onde nasceu despudoradamente.


Ainda há dias vos mandou p’raí dois lacaiozitos anunciar-vos que quando vos rouba está a dar-vos.


Destroem os Caminhos-de-Ferro, fecham importantes Serviços Públicos, desprezam o Património Histórico e Cultural, constrangem os cidadãos à emigração (qualquer dia, pela aragem que vai por aí, até os empurram para a clandestinidade!), e amaldiçoam a vida dos velhos, dos doentes e dos fracos.


Lalões autárquicos e Deputados e Ministros jagodes a precisarem de uma glossite aguda, a ver se aprendem a dobrar a língua e a mente para mostrarem mais respeito pelas PESSOAS, e muito especialmente pelos que vivem e labutam no seu Reino Torgueano.


Naquele Postal do Blogue “CHAVES”acerca das Barragens está bem patente a sacanice (mais uma!) que querem fazer aos Transmontanos.


A grande porra é que a maioria desses vossos presidentezecos de Câmara se abastardam facilmente e com toda a ligeireza. Claro que contando com a colaboração e o comprometimento da seita de lalõezinhos e palermóides politicastras que se armam ou travestem de Oposição.


É bom de ver que com a abrilada (dizer 25 de Abril é outra conversa!), «a arte de governar os Povos» fundiu-se e confundiu-se com a arte de engrampar, institucionalizou-se a “Venda da banha da cobra”, entronou-se a hipocrisia.

A golpada, a desfaçatez e a manigância enxotaram os Políticos e multiplicaram os mandingueiros na administração da Coisa Pública.


Endrominado durante tantos séculos, catequisado sob o dogma dum salvador - seja ele Batistelha, Sebastianeiro, Socratintas ou qualquer outro pantomineiro sempre à espreita - o vosso Zé Pagode continua ensosso, convencido que passará pelo buraco da agulha e que as misérias que «grama» são certificados de garantia de entrada no céu dos pardais e de outros animais.


E, regalados da vida, lá pelos claustros ou jardins de Belém e de S. Bento, pelo salão dos Passos Perdidos, e pelas vielas das vaidades municipais, os sevandilhas vão rindo, rindo, e exclamando:


- valentes camelos!!!


Até que um dia alguém lhes acerte o passo!

 

Zeus está-se a «Transmontanizar», lá isso está.


Não só aprecia coisas boas da NOSSA TERRA como as arrecada. E já usa umas palavritas à moda da Normandia Tamegana.

Eram horas de irmos a caminho de Samarcanda.

 

 

Tupamaro

 

 

 



publicado por Fer.Ribeiro às 02:38
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Sexta-feira, 16 de Abril de 2010

Discursos Sobre a Cidade - 94 - Por Blog da Rua Nove

Texto de Blog da Rua Nove

 

(X)

Afastando-se das imediações do forte, o inspector Bento entrou no Bacalhau vindo do Bairro Aliança e preparou-se para começar a descer a Rua de Sto. António. Nascia o dia. Uma manhã fresca de primavera, prometendo um céu sem nuvens. Lembrava-se das manhãs de nevoeiro e geada que anos antes encontrara no inverno, e a cidade pareceu-lhe outra. A pérgola do jardim fez-lhe chegar o aroma das glicínias. Quase lhe apeteceu assobiar despreocupadamente. A rapariga era um pedaço. Pena era a criança, mas sempre serviria para lhe evitar outras complicações.


Por momentos esquecera o assunto que ali o trouxera. Aprumou-se quando se apercebeu que já havia gente nas ruas e começou a caminhar mais devagar. Queria dar a impressão de vigilância apertada e atenção redobrada. Queria que o vissem como alguém que por ali andava àquela hora por dever profissional. Omnipresente e vigilante.


Já deveria ter mais informações à sua disposição. Mas precisava de dormir algumas horas. Quando chegou ao fundo da rua estranhou o largo à sua esquerda. Estava habituado às arvores e ao gradeamento do antigo mercado, à agitação das gentes e aos sons que dali vinham. O Arrabalde parecia-lhe agora uma praça sonolenta, à espera de acordar com a chegada dos oficiais de justiça e as zaragatas barulhentas dos litigantes.


À entrada da Rua 28 de Maio amontoava-se uma meia-dúzia de pessoas, esperando a partida da carreira de Braga. Gente ensonada, crianças aninhadas entre gigas e sacos, um ou outro animal de criação. Entrou no hotel quando alguns hóspedes já saíam. Todos o saudaram tirando o chapéu, mas ninguém parou para o cumprimentar. Dirigiu-se para a sala de refeições, onde tomou o pequeno-almoço numa mesa de canto. Sozinho, com olhares e ademanes de afectação e superioridade.


Subiu depois para o quarto, cruzando-se com as criadas que tratavam das arrumações. Deitou o olhar a uma, deu um piropo a outra. Sorridente e seguro entrou na habitação. Perdeu o sorriso quando se apercebeu que alguém lá tinha estado e que havia um envelope sobre a mesa.


(continua)

 



publicado por Fer.Ribeiro às 00:36
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Sexta-feira, 19 de Março de 2010

Discursos Sobre a Cidade - 90 - Por Gil Santos

 

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CHICO SANTO CRISTO

 

 

Gil Santos

 

— Viva a pátria e chova arroz!.. — vociferava o Chico Santo Cristo quando o desassossegavam.

Oriundo de uma família de renome, Francisco Piçarra, ficou mole do miolo(1) Culpa de um graúdo desgosto. Muito avarento, entesourava toda a riqueza no xaragão(2) de palha centeia em que dormia. Ganhava bem no negócio de passamanarias que geria na rua das Longras. Tinha porém o vício de, pelo final da tarde e após o encerramento da loja, se enfrascar, quase todos os dias, na Adega do Faustino. Era um inveterado copofónico (3)

Certa ocasião, o Fausto Vaqueiro, bancário do Sotto Mayor e colega da copofonia,(4) conhecendo-lhe a manha da avareza, convenceu-o a depositar a riqueza no seu banco. Que temesse os incêndios, os ratos, ou dos larápios. Que qualquer desgraça o podia pôr na miséria! Que pensasse bem!.. Depois de muito bater no ceguinho lá o fez crer no milagre da multiplicação dos rendimentos.

Foi para casa. Durante o fim de semana não fez mais nada que não fosse registar numa longa lista, o número de série de cada uma das notas que retirava do enxergão. Na Segunda-feira, foi ao banco, com um saco de pano repleto, entregar o papel (5) ao Vaqueiro. Depositou-lho a prazo em regime de juro composto.

A coisa passou.

Daí a uns meses, beberricando calmamente um traçadinho(6) na taberna da Travessa do Olival, para matar a sede de uma quente tarde de Verão, alguém o chamou à atenção:

— Olha lá ó Chico, tu não puseste o carcanhol(7) no Sotto Mayor?

— Pus. Está seguro e rende juros!

 

— Pois, fizeste uma boa merda! Meteste-o no cu ao Vaqueiro e agora as tuas notinhas andam por aí à cria nas mãos de quem calha! Vês aquele magano a pagar a rodada, vai fazê-lo com uma das tuas notas!

Ficou em pânico… Foi-se ao balcão…

— Ó Eduardo, mostra-me essa nota de cem que acabas de encafuar na gaveta…

Puxou do bolso o extenso rol dos números de série e conferiu…UG 02913!

Não é que a puta da nota fazia parte do cadastro!..

Afinal sempre era verdade, as suas notinhas andavam por aí ao Deus dará,(8) em vez de estarem guardadas no cofre do banco.

— Que gastassem o que era deles, esses filhos de um cão.

O cabrão do Vaqueiro havia de lhas pagar!

Foi-se ao banco e fez um escabeche do arco da velha. Que queria as suas notinhas uma por uma…

Perante a intransigência do homem em manter o depósito, tiveram que lhe devolver o dinheiro até ao último tusto.(9) Ainda assim não foi fácil convencê-lo a aceitar notas que não eram das suas!

— Que se fodesse o Vaqueiro a mais os juros. O papel havia de ir novamente para o xaragão. As pulgas e os percevejos não iam ao Faustino!

Contudo, aquela ideia do incêndio, dos ratos e dos gatunos não lhe saía da cabeça.

Eureka!

Foi ao Moucho e comprou uma lata de chapa. Daquelas que os merceeiros usavam para meter o café moído. Embrulhou as notas num plástico duro. Encheu a lata com elas, muito bem acamadinhas. Tapou-a com a sampa (10) redonda e selou-a com cera derretida para que não entrasse a humidade. Procurou no quintal um lugar maneirinho para a enterrar. Cavou um calabouço de metro e meio e encafuou-a lá. Aterrou. Por cima colocou um grande calhau, para marcar o sítio. Sentiu-se aliviado. Tinha o pé de meia (11) a salvo de bancos, incêndios, ratos e ladrões.

 

Passados uns três anos, o senhorio da sua casa quis aliená-la. Ele comprá-la. Estava em situação privilegiada para negociar e além do mais tinha capital. Discutiu o preço. Marralhou (12) quanto pôde. O negócio foi fechado em trezentos e cinquenta contos de réis, a pagar no acto da escritura. No dia anterior a esse acto formal, foi-se ao quintal de enxada em punho. Vai de abrir o buraco. Lá estava o tesouro. Intacto?..

A Lata, apesar de enferrujada, mantinha a forma original... Porém, quando retirou a cera e a destapou, das notas só farelo!..

Ficou sem pinga de sangue!

Sem dinheiro e desfeito em lágrimas, abortou o negócio e mudou de casa. Guardou religiosamente as cinzas, como se dos restos fúnebres de um ente querido se tratasse.

Daí por diante passou a fechar mal a gaveta.(13) Refugiava-se no vinho para esquecer. Era cada cadela!

Apesar de tudo, ficou-lhe uma ténue esperança num milagre do Santo Antoninho, de quem era afanado devoto. Os amigos convenceram-no de que rezando ao advogado das coisas perdidas, era capaz de se ajeitar qualquer coisinha! Então era vê-lo, cheio de fé, ajoelhado todas as tardes, antes da missa no Faustino, a debitar o responsório,(14) na igreja de Santa Maria Maior.

 

“Se milagres desejais, recorrei a Santo António

Vereis fugir o demónio e as tentações infernais.

Recupera-se o perdido.

Rompe-se a dura prisão,

E no auge do furacão cede o mar embravecido.

Pela sua intercessão, foge a peste, o erro, a morte,

O fraco torna-se forte, e torna-se o enfermo são.

Todos os males humanos se moderam, se retiram,

Digam-no aqueles que o viram, e digam-no os paduanos.

Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo.

Rogai por nós, bem-aventurado António

Para que sejamos dignos das promessas de Cristo”.

 

Nunca resultou, para sua infelicidade e das notinhas que continuaram em pó.

 

Morava, agora, para as bandas de Santa Cruz. Para além das tardes, passava também as noites a beberricar na dita Adega. Quando a altas horas regressava a casa, ao passar perto do Libório, numa encruzilhada que tinha umas alminhas iluminadas noite e dia por mortiças velas de estearina e decoradas com desfolhadas rosas de plástico, não deixava de se descobrir e cumprimentar, mui respeitosamente:

— Boa noite alminhas!

As alminhas quase sempre retribuíam:

— Boa noite Santo Cristo. Que Deus tenha de ti dó e te ampare por esses caminhos da vida!

 

Uma noite, depois de enfardar uns valentes copázios, acompanhados de umas rachas de bacalhau da peça para puxar à pinga, não mediu a distância a uma candeeiro de iluminação pública e esbarrou-se escontra ele. Esmurrou o focinho todo!

— Pouca sorte!

O candeeiro não se queixou.

À medida que o sangue se soltava das ventas, ia sendo limpo pelo lenço de cinco pontas.(15) Chegou a casa já com o sangue tralhado (16) pelo frio da geada. Foi para a casa de banho, lembeu-se (17) e foi curar a cardiela (18) para a cama. Na manhã seguinte, sua esposa Pimponata, deu com um penso rápido colado no espelho, por cima do lavatório.

— O que teria acontecido?

Só percebeu o fenómeno quando viu o nariz do marido todo esmurrado!

— Borrachão!..

 

Numa outra ocasião meteu-se-lhe na cachimónia (19) que haveria de voar como os pássaros. Documentou-se sobre as técnicas de voo e os truques da aeronáutica. Pareceu-lhe tudo muito complicado. Mas, um dia qualquer, nas suas investigações, leu um texto da mitologia grega sobre a lenda de Icaro.

 

“Icaro e seu pai Dedálo, presos num labirinto na ilha de Creta, decidiram construir um par de asas para cada um, para se evadirem. Recolheram penas de gaivota e cera de abelha e montaram admiráveis asas.

Dedálo aconselhou o filho a que não voasse muito alto. Que não se deixasse entusiasmar com as belezas que iria admirar das alturas. Icaro cegou-se e rapidamente esqueceu o conselho de seu pai.

E Subiu, subiu, subiu…

Próximo do Astro Rei, o calor fez derreter a cera que prendia as penas.

As asas desfizeram-se e Icaro, vítima da sua soberba, estatelou-se sobre o mar Egeu.”

 

Ora, o Chico Santo Cristo sonhava voar como Icaro, mas não tão alto que pudesse cair e esbandalhar-se.(20) Passou meses à volta dos galinheiros e dos pombais dos vizinhos à cata de remiges. Quando lhe pareceu que já tinha as suficientes, construiu uma estrutura em madeira balsa e prendeu-lhe as ditas. Asas perfeitas! Encaixavam nos braços com umas correias de couro.

De onde se havia de atirar?

Das muralhas do castelo? Não, tinha lá a Infantaria.

Da torre de menagem? Não, era muito alta.

Do Forte de S. Neutel? Não, era longe.

Do de S. Francisco? Também não, tinha lá a Cavalaria.

Um sítio azadinho era a capela do Senhor do Calvário em Santo Amaro.

Dito e feito!

Um domingo prantou-se nas traseiras da dita capelinha e de cima do muro amandou-se para o infinito celeste…

Não é que voou mesmo!.. Para os arames das latadas dos quintais, cinco metros abaixo.

Esconchavou-se (21) todinho! Ficou tal qual o Santo Cristo no madeiro. Nomeada que lhe ficou.

 

Mais avançado na idade, a maluqueira deu-lhe para a rima.

Fazia poesias que recitava para os amigos nas tertúlias vinhocas.

Entre muitas, retive esta, que tinha o propósito de retratar o seu fado:

 

À meia noite fui pensado

À uma hora nascido

Às duas fui baptizado

Mais valia ter morrido!

 

Às quatro andava à cria

Às cinco assentei praça

Às seis era cada nassa

No quartel de Infantaria

 

Às sete horas tive filhos

Às oito tive cadilhos

Às nove fiquei maluco

E às dez já estava caduco

 

Às onze horas me finei

Ao meio dia enterrado

A sentença do S. Pedro:

- Pr´ó inferno excomungado!

 

Viva o Santo Cristo e todos aqueles que sonhando voar, fabricam asas de cera!

 

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(1) – Com pouco juízo

(2) – Colchão

(3) – Bebedor de vinho

(4) – Dos copos

(5) – Dinheiro em notas

(6) – Vinho misturado com gasosa

(7) – Dinheiro

(8) – A sorte

(9) – Tostão

(10) – Tampa

(11) – Poupança

(12) – Discutir o preço

(13) – Diz-se de quem não tem os cinco litros (cinco sentidos?) bem aferidos.

(14) – Responso – oração

(15) – Mãos

(16) – Estancado

(17) – Limpou-se

(18) – Bebedeira

(19) – Cabeça

(20) – Desfazer-se

(21) – Partiu-se

 

 

 

 


publicado por Fer.Ribeiro às 01:53
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Sexta-feira, 12 de Março de 2010

Discursos Sobre a Cidade - 89 - Por blog da Rua Nove

Texto de Blog da Rua Nove 

 

(IX)

 

Num impulso, o inspector deixou o clube, não ouvindo as boas-noites do barman nem reparando no sorriso irónico que acentuava aquelas palavras.

 

Viu ao longe a silhueta que desejava, subindo a Rua Direita. Iria certamente pelo caminho mais plano, seguindo pelo Anjo e pelo Bacalhau, evitando assim as duas ladeiras que cruzavam a Rua de Sto. António. Mesmo ao longe, os braços levantados para segurar a  criança mostravam umas ancas generosas e deixavam adivinhar uma cintura fina.

 

Acendeu um cigarro e tossiu levemente. Por entre o primeiro fumo, notou que ela se voltara e o vira. Pareceu-lhe que abrandara o passo. Já no Bacalhau voltou-se novamente. O olhar interrogativo que perpassara por entre os longos cabelos acabou por desaparecer, oferecendo-lhe o rosto agora um leve sorriso.

  

Seguiu-a até à Lapa. Aí viu que se dirigia para uma casa da muralha, subindo umas estreitas escadas de pedra. Morava num primeiro andar. Aguardou que entrasse, enquanto acendia outro cigarro. Viu as luzes que se acendiam e o seu vulto passando de janela em janela.

 

O ar cálido e o silêncio da noite fizeram-no olhar para o céu, à procura da lua. Em vão. Deveria ser noite de lua nova, pensou. Sim, disse para consigo, sim, a última lua cheia havia sido a 25 de Abril... Era uma das suas manias obsessivas. Decorava datas e ocorrências registadas em publicações como se fosse editor de almanaques. Alguns subalternos, em conivente segredo, até lhe chamavam o inspector Borda d'Água.

 

Quando olhou de novo para as janelas, viu as luzes apagadas, embora lhe parecesse que um vulto se movimentava ainda pela casa. Notou depois a ténue luz que se espraiava pelas escadas. E viu a porta aberta. 

 

"Sei o que fazes", foi a única saudação que recebeu ao entrar. Surpreendeu-se mais com o rosto do que com o desassombro da rapariga. Era tão jovem! As mãos que se estendiam apertaram as suas, até que mãos, braços e corpos se estreitaram num abraço.

 

Acordou de madrugada com um choro de criança. "Tenho de ir amamentar o bébé", sussurraram-lhe ao ouvido. Quando regressou, a rapariga  encontrou a cama vazia.

 

(continua)

 


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Sexta-feira, 5 de Março de 2010

Discursos sobre a cidade - 88 - Por Tupamaro

 

.

 

“Os  GRELOS  da   GAITEIRA”

 

 

 

Visitem as ALDEIAS de CHAVES.

 

As «geometrias variáveis» das suas ruas, ruelas e becos logo vos conduzirão à meditação  histórica; e o casario, as fontes, os bebedouros, e as Capelas à contemplação filosófica.

 

E a entrada na adega ou na cozinha, após aquele sonoro e tão franco “Entre!», vai atirar-vos para uma reflexão ontológica acerca das formas «sustentáveis e sustentadas» da Vida.

 

Estamos no Inverno.

 

Mas, junto daquela gente, o calor da hospitalidade com que vos tratam vai abrasar-vos o coração, muito mais do que o sol a pino, no Verão, vos assa a pele quando vos estendeis como um lagarto, aí pelas praias atlânticas.

 

Ali pela VALDANTÁLIA, especialmente os lípidos da nossa estimação  encontram um continente de regalos que tornam o vosso (e o nosso!) apetite incontinente.

 

Bem, não é por acaso que, por lá e por toda a Normandia Tamegana, os peixeiros (vendedores de peixe!) antigamente eram chamados «sardinheiros»!

 

Estindes a ver, não estindes»?!   - A famosa sabedoria popular, ‘inda antes de Hipócrates, já sabia como aí se devia “aparelhar” os alfas com os ómegas!

 

Pois nestes tempos de invernia, quando as Lareiras são apaparicadas com tanta gente à sua volta, e os potes tão chegadinhos a elas (e algumas calças, mesmo a estrear!...), o frio das adegas é tão apreciado como no tórrido Verão.

 

No escano ou na mesa, que regalo ver o fumegar da boa batata, o colorido da travessa com aqueles nicos “rèqueiros”, o pichorro testinho a pedir encantadoramente a decantação, e um prato fundo e largo cheiinho de Grelos da Gaiteira!

 

E as fatias de pão centeio a completar o rico paladar!

 

“Estindes a ver, não estindes”?!

 

A geada bem que queimou aquelas couves, mas ainda fomos a tempo de apanhar os Grelos da Gaiteira.

 

E até mesmo amanhados nestas águas duvidosas das urbes e dos suburbes sabem que nem um petisco.

 

Tal como na VALDANTÁLIA assim acontece no ducado de Monforte, no principado da Raia, na capitania do Planalto, no condado da Aquitânia de Oura.

 

E os Grelos da Gaiteira!...

 
 
Tupamaro

 


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Sexta-feira, 26 de Fevereiro de 2010

Discursos Sobre a Cidade - 87 - por Fe Alvarez

- Pobre hombre, se le ve tan abatido, qué pena! Se siente, no le tienen cariño.

- Ese es de los que recogieron aquello que sembraron, no merece nada más. 

- Fue tan mala persona? 

- Oye:

 

.

.

 

En aquellos tiempos, en que la mano ferrea de la dictadura, marcaba el compás de la vida, una vida llena de trabajo y privaciones, el futuro para un matrimonio de trabajadores era duro, muy duro y si los hijos llegaban con regularidad, como era el caso, peor, siempre era una boca más para alimentar, que vestir, lo que se dice vestir, se aprobechaba todo al máximo, se heredaba de hermano a hermano y si venía algo de fuera también era bien recibido, se volvía, se remendaba y se zurcía, es decir de viejo se hacía nuevo, todo  aquello que consiguiese ahorrar unas míseras perrillas, se ponía en práctica, hasta la extenuación, todo valía, menos perder la dignidad.

 

El padre de familia, cansado de andar faenando de feria en feria, pasando mil penalidades y no vislumbrando un mañana prometedor, decidió emigrar y así después de ver las posibilidades decidió probar suerte en las colonias, se hablaba el mismo idioma y no se sentiría tan extraño, además conocía mucha gente que se emigrara antes y tuvieran suerte, un buen día partió y ella se quedó con los hijos y los mercadillos, con las mismas penalidades y con problemas acrecentados, naturalmente, pues no tenía medio de transporte, por este motivo había que pagar a quien la llevase, los problemas se multiplicaron, claro que no venian más retoños, pero los que ya había crecian y los gastos aumentaban, no obstante los ingresos esos no había modo de aumentarlos. Era desesperante, el día tenía 24 horas incluyendo las de descanso, claro, y ella no podía trabajar más, llegaba a la cama, exausta, sintiendose insatisfecha, destrozada, dolorida y muchas veces humillada.

 

Y el marido? Ah! el marido llegado a las tierras de las que se decía que manaban leche y miel, enseguida empezó a trabajar y como sucede muchas veces, hizo llegar, en los primeros tiempos (dos o tres meses), algún dinero a la familia hambrienta, "poco dura la alegría del pobre", él se entretiene con nuevas conquistas y con las alegrias de la novedad, el brillo del oropel, algún que otro vapor envolvente y la mala cabeza,  olvida a sus hijos y a la sacrificada esposa que quedó en Chaves, el poco goteo que llegara se secó, completamente, ni dinero ni noticias, algunas veces muy de vez en cuando se sabía alguna novedad, de la vida que llevaba, estas novedades eran traidas por personas que también hicieran suyas aquellas tierras africanas; muchas cosas a contar y muchos silencios, por caridad, no querian lastimar más a aquella mujer que se dejaba literalmente la piel, cada día para poder sacar adelante a su prole, sin un apoyo, por momentos era ella contra el mundo, un mundo cruel y frio, que parecía querer destrozarla.

 

Ellos, los niños fueron creciendo y se sentian dolidos y humillados, sus sentimientos se perdian entre el amor  y el desprecio a un padre que los  abandonara, impugnemente, a su suerte y crecieran con muchas carencias, afectivas y económicas. Evitaban hablar de su progenitor y se esforzaban para conseguir algo mejor de lo que su madre tenía y compartía. Algunos hicieron el curso de comercio, se emplearon, otros se casaron, emigraron  y los costes familiares fueron quedando más leves. Ella estaba derrumbada, pero solo en parte, ver a los hijos mejorar le alegraba el alma y era un bálsamo para su cuerpo dolorido. Después de tener a todos los hijos independizados, la vida pareció remansarse, claro que quien trabaja tanto, no puede dejarlo de un momento para otro, solo bajó el ritmo. Lo necesitaba.

 

El mundo siguió girando, con sus penas y alegrias, con sus miserias y sus grandezas, con sus encuentros y desencuentros. Entonces el padre que partiera, abandonando todo, le despertó la vejez, no la esperaba, pero siempre llega, con ella, la decrepitud, las limitaciones, la enfermedad,  que la vida disoluta y hueca adelantó y esta era su herencia, entonces, le vino a la memoria:  por aquellas tierras de Tras os Montes, más concretamente en Chaves, si no se recordaba mal, tenía una familia, una familia que le pertenecía, era suya, mejor dicho eran suyos, todos y cada uno de sus miembros, y con más cara que espalda se presenta exigiendo sus derechos, que como vemos no se los había ganado, se creía que eran suyos por derecho Divino, por eso no interesaba el haber olvidado miserablemente, sus deberes, claro que no encontró a la misma mujer que dejara, siempre fuera una luchadora y como dicen que aquello que no nos mata nos hace más fuertes, esta gladiadora era fuerte, se hiciera de piedra, aún así ,ella le reprochó su vida y lamentó sus trabajos, él encontró unas disculpas vergonzosas, pueriles, pobres, que ni él mismo se creía, entre tira y afloja, llegaron a un consenso. Podría quedarse en la casa matriminial, pero... tendría que pagarse esa habitación, la manutención y la limpieza, es decir un extraño en su familia, su familia...? perdiera el derecho de considerarla así. Para mal de sus pecados, ni tenía amigos que mitigasen sus días de soledad amarga y así solo, triste y aburrido de la vida veía pasar lentamente los días desde la ventana. Las noches, eran bastante peores, con sus fantasmas agigantados, sus miedos, sus recuerdos y todo esto condimentado con malestar y dolores; eran eternas... desagradables... y frias, muy frias.

 

 


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Sexta-feira, 19 de Fevereiro de 2010

Discursos Sobre a Cidade - 86

 

 

 

"Ali vai, num desses comboios a vapor, pouca-terra, pouca-terra, a paisagem a correr lá fora e, ele, a querer agarrá-la bem, espreitando à janela aberta, e as faúlhas a entrarem-lhe para os olhos e a fazerem-no chorar. Vira-se então, para trás, e deixa os cabelos soltarem-se ao vento, como se fosse de bicicleta, e mistura, assim, espaço e tempo, entrando, de novo, nas viagens fantásticas que sempre gostou de fazer.

 

De uma das vezes, foi com um grupo de companheiros do liceu ao enterro de um colega, morto na flor da idade. Viajaram numa carruagem de terceira classe, com bancos amarelos de madeira, a linha férrea estreitinha curvando em capricho pelos sopés dos montes, até chegarem ao destino, na sua terra natal, Chaves. Era Inverno e, no pequeno cemitério, o frio, cortante como navalhas, obrigava-os a encostarem-se uns aos ouros, a juntar-se ao medo dessa realidade chamada morte.

 

Assim, com os comboios e a morte a rimarem na sua memória desde muito cedo, foi com curiosidade que se preparou para ver a fita do francês Patrice Chéreau, Quem me Amar Irá de Comboio. Claro que os comboios são outros, e aqueles em que andava na sua juventude, há muitos anos, desapareceram da paisagem transmontana. Para ser mais preciso: já não se ouve o apitar dos comboios nas linhas férreas desse reino maravilhoso, como lhe chamava o poeta; os carris estão enferrujados e as ervas invadem-nos, como numa fita de Bertolucci."

 

Excerto de Comboios, texto publicado em Outras Fitas (1999), de Eduardo Guerra Carneiro (1942-2004).

 

 

 

 


publicado por Fer.Ribeiro às 01:24
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Sexta-feira, 15 de Janeiro de 2010

Discursos Sobre a Cidade - 81 - por Fe Alvarez

 

.

No hay suerte, dice la gente...

No hay suerte!? Qué suerte perra!

que lleva a que nazcan rosas

entre rastrojos y piedras

 

Las piedras, no tienen alma,

los rastrojos ya se queman

la rosa, ve arder sus hojas

y dá suspiros de arena.

 

Y entre suspiros y llantos,

la rosa, ya sin belleza

doblado su orgullo, cae

entre ratrojos y piedras.

 

Una niña que pasaba,

cuando se iba a la escuela

coge amorosa esta rosa

y se la lleva con ella.

 

Llegando a casa la dora

y la pobre rosa muerta

se sueña y agradecida

descansa en caja de arena.

 

 

 

Madalena, una niña? Golondrina, sirena, tórtola, mariposa de las calles y los caminos, soñadora, algo eterea, quizás irreal, fuera de tiempo y de luagar, rubia, en su sonrosado rostro llamaban la atención sus ojos, unos ojos verdes, como irisados y cambiantes, no todos los días se presentaban con la misma tonalidad y esta preciosidad, pertenecía a un matrimonio que la voz del pueblo los denominaba como "moinantes" tenian otros pequeños, pero de entre todos destacaba ella, la pequeña Madalena, se diría que era una princesita entre harapientos y ella propia desaliñada, aunque algo la diferenciaba del resto, se podía decir que tenía "angel", tendría 7 u 8 años, todos los pequeños eran explotados por sus padres, tenian que pedir limosna y con sus progenitores llevaban una vida errática. A la pequeña, le encantaba charlar con todas las personas, que le prestasen un mínimo de atención, por eso hacía sus escapadas a un barrio determinado de la ciudad, esto lo hacía cuando tenía que mendigar, en estas huidas narraba sus sueños con una alegría contagiante, los temores los omitía, por eso su felicidad se sentía soñada, casi como un espejismo en su desierto particular, o eran varios, el desierto del amor, del cariño, del desprecio, de la higiene, del frío, del analfabetismo, del hambre, de la sed... tantos desiertos en un cuerpecillo tan frágil.

 

Un buen día, supimos que los padres de Madalena se marcharan a Valpaços, dejando a la pequeña abandonada, aunque creo mas bién, que en su cabecita germinó la idea de escaparse, dar un salto adelante y así poder acceder a una vida con futuro, más acorde, más prometedor, sabía que tendría una puerta que se le abriría y así sucedió, una vecina viendo a la pequeña desamparada, decide quedársela, ella sintió en este gesto el primer paso para conseguir lo que más deseaba, ser como las otras niñas; esa señora me trajo a la pequeña pidiéndome que le cortase el pelo y se la bañase, el pelo estaba muy desaseado y lleno de piojos y liendres, el cuerpo no denotaba tanto abandono,después de desparasitarla concienzudamente, lo que no fue facil, se le vistió ropita limpia que alguien proporcionara. En esos momentos fui testigo de sus sueños.

 

- Parezco una niña normal, verdad?

 

- Qué cosas dices! eres una niña normal, pobre pero normal, no te digo... qué cosas se te metieron en esa cabecita!

 

- Y ahora podré ir a la escuela?

 

- Claro pequeña.

 

- Podré aprender a leer y hacer cuentas?

 

-Todo lo que se enseña en las escuelas.

 

- Y tener amigas? dígame, podré tener amigas?

 

- Todas las que puedas conseguir.

 

- Perdone, podré tener algún vestido nuevo?

 

- Más de uno, hay que mudarse y andar limpio.

 

- Qué zapatos tan lindos! siempre pensé que los zapatos son lo mejor del mundo, los mios siempre estaban rotos y feos. Ya me olvidaba, dónde dormiré?

 

- En una cama, dónde ibas a dormir?...

 

- Tengo que portarme bien y lo haré, estudiaré mucho, mucho y después quiero ser profesora, para enseñar todo lo que aprenda a otros niños.

 

- Eh, eh! no corras tanto que para llegar a eso, aún tiene que pasar mucho tiempo

 

- Cuando empiezo la escuela?

 

- Primero tengo que saber algunas cosas, no sé como hacer para poder tenerte sin problemas.

 

- Pues dice que soy su nieta.

 

- Las cosas no pueden ser así, tengo que aconsejarme. Después habrá que matricularte y en cuanto empiece el curso irás a clase.

 

- Viva, iré al colegio y seré como las otras niñas, tendré amigas y jugaremos! Ya no seré una niña pobre.

 

- Oye que yo no soy rica, viviremos humildemente.

 

- Quien tiene vestidos y una cama donde dormir y va a la escuela, no es pobre.

 

 Y con estas y otras razones semejantes, fue abriéndonos su alma y esos sueños, normales para muchos niños e inalcanzable para muchos otros, que se pierden sin una oportunidad y ni los vemos ni los sentimos, son pequeños transparentes o invisibles. Ella supo manifestarse y comunicar pues era un ser inteligente, muy inteligente, tenía una edad y una madurez superior a la cronológica pero su suerte no estaba en consonancia con todo lodemás. 

Madalena no lo sabía pero su dicha era efímera; inconscientemente se tambaleaba a orillas de un precipicio, negro y profundo, que engulliría sus sueños, sus nobles sueños, la escuela, la cama, las amigas, los vestidos.... ser profesora.

 

 Ese abismo se personalizó en sus padres, regresaron, indagaron y fueron a dar con la pequeña, armaron un buén escándalo, de aquellos que eran habituales por otros tiempos, vino la policía y primó el poder de unos padres que interesados con la merma del limosneo, volvieron para recuperar a su mienbro más rentable, no se invocaron los derechos de los menores. O no los había?... creo que en esas épocas, nadie pensaba tener o tenía derechos, solo obligaciones.

 

Pasó un tiempo sin que volviesemos a verla, en un sábado que fui a la verbena, que como todos saben se hacian en el Jardín Público, en el barrio de la Madalena,  ya cerca de la puerta, correteando entre los coches, mendigando, estaba ella, me estendió su manita.

 

- Madalena!?

 

-............. (silencio)

 

No volví a decirle nada, no podía, sus hermosos ojos, ahora sin brillo, me lo contaron todo, me hablaron de la falta de sueños, de su verguenza, del dolor absurdo, profundo y negro, del desánimo, de la  derrotada y así vencida, con todo el peso del mundo sobre sus débiles hombros, bajó la mirada, hundió su mentón en el pecho, dio media vuelta y se marchó, me quedé un buen rato mirándola, impotente, avergonzada también y dolorida por aquel pajarillo herido de muerte, ya no había música ni alegría, solo un amargo sabor. Cómo un proyecto de mujer, siendo aún tan tierna, pudo sentir y transmitir su fracaso de vida?

 

Pasó un tiempo y llegó, un  día llegó casi de puntillas, la noticia de su muerte, un coche, la atropellara. Que Dios me perdone, pero sentí que la sirenita de las calles encontrara el camino de la liberación.

 

Cuantas Madalenas se nos cruzarán en la vida!

 

Fe Alvarez

 

 


publicado por Fer.Ribeiro às 01:51
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Sexta-feira, 8 de Janeiro de 2010

Discursos Sobre a Cidade - 80 - por José Carlos Barros

 

 

 

.

 

A propósito dos desastres

 

um poema de José Carlos Barros

 

http://casa-de-cacela.blogspot.com

 

 

i.

em dezembro de dois mil e nove o que procuramos

na rua de santa maria ao fim da tarde além do perpianho à vista

e das varandas verdes das casas recuperadas que não seja

o poço fundo de passar o tempo por nós

como sob as pontes

a água?

 

ii.

em mil novecentos e trinta e nove já a administração central

sob vigência de sua excelência o marechal carmona 

e em plena ditadura nacional

se gabava de desconcentrar os serviços. hoje o debate

sobre a regionalização não deveria ser contaminado

pela discussão da proficiência de ccdr’s ou arh’s

e não sei que transferências de competências centralizadas

sob pena de tomarmos a nuvem por juno

e apanhar-nos a chuva enquanto nos distraímos

a encanar a pata ao anfíbio.

 

iii.

agarramo-nos à memória e vivemos dela

ou procuramos viver a jogar às escondidas nas veredas

ou nos bosques de caducifólias

a partir do momento em que os imprevistos

telefonemas dos amigos

o mais certo é darem notícias de perdas sucessivas

ou acarrearem inventários de irreparáveis danos em

vez do relato das sombras das árvores

erguidas nas margens dos rios

onde todos os anos jurámos

regressar.

 

iv.

dona teresa de jesus teixeira rumou de chaves a mirandela

nesse preciso ano de mil novecentos e trinta e nove

e aí apondo-se retrato carimbado e

dilucidados dados pessoais

no fim da jornada trouxe consigo o cartão profissional

indispensável a que o tribunal dos

géneros alimentícios (assim uma espécie de primeva asae)

não começasse antes ainda de averiguar

corruptela nos comercializados produtos alimentares

a caçá-la logo por falta de licença.

 

v.

de uns senhores sabemos que devem topar uma grande

novidade no facto tão prosaico de já em

mil novecentos e trinta e um

a reorganização do ministério da agricultura

nos seus pressupostos realçar a necessidade imperiosa

de descentralizar os serviços: e por isso a

dona teresa de jesus teixeira do antigo pasteleiro

com sede em chaves na rua de santa maria

lhe bastou rumar a mirandela ao invés

de perder-se nos corredores em lisboa da inspecção

técnica das indústrias e comércio agrícolas.

 

vi.

num fim de tarde de dezembro de dois mil e nove

o que procuramos na rua de santa maria

é já o que perdemos: o antigo

pasteleiro com recortes velhos de jornais pendurados nas paredes

e uma sombra que o mais certo é começar no mais

fundo do coração de cada um de nós

a acompanhar-nos em redor de um prato de pastéis aquecidos

e de uns bucólicos e insípidos finos

com que persistimos em enganar-nos

a nós mesmos.

 

vii.

isto tudo descobri há bocado

(preparando-me para escrever em verso rimado

o relato inédito dessa manhã de domingo

de mil novecentos e quarenta e dois

em que dona teresa de jesus teixeira contou pormenorizadamente

a maria do carmo ferreira da silva fragoso carmona

o segredo verdadeiro dos pasteis de chaves)

ao receber o telefonema de um amigo

que se resumiu a versar os desastres

a que nos começamos vagarosamente a habituar

e a acomodar.

 

 

 


publicado por Fer.Ribeiro às 01:49
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