Quarta-feira, 18 de Novembro de 2009

Discursos Sobre a cidade - 74


Discursos Sobre a cidade - 74, originally uploaded by frproart.
 

BOTA-LE BINHO

 

 

Conheci o Ti Chico Milheiro já ancião. Nas torreiras de Agosto juntava a rapaziada nova à sombra do negrilho do Prado e, sentado na massadoura, entretinha os seus já longos anos com as reacções às curiosas histórias de vida que os ouvintes sorviam como água quando se tem sede. Ouvi-lhe muitas! Esqueci-as quase todas. Retenho apenas esta que vos conto:

O Chico Milheiro nasceu pobre em Milhais, lá para os lados de Mirandela. Órfão temporão de pai e mãe, cedo se fez à vida, na qualidade de criado de servir. Tirando a fartura de bogas do Rabaçal, que pescava na desova, no tempo das formigas fazerem carreira — como ele dizia — e dos raros coelhos e lebres que caçava nos laços que com mestria sabia armar, passava fome de rato. Serviu muitos patrões, levou muitos pontapés no cu, trabalhou de sol a sol e comendo o pão que o diabo amassou aprendeu a ler nas entrelinhas da agrura da vida o que mais lhe convinha. Juntava à sapiência da coruja a manha da raposa! E, desta forma, tão cedo se fez à vida de serviçal como a deixou. Não teria um quarto de século quando, proprietário de uma leira de couves, passou a servir-se a si mesmo. Botou umas colmeias, únicas nas redondezas, e quase só com elas se sustentava no Carregal, onde se fixou. Ao tempo, o mel era remédio para quase todos os males. Vendia-se bem para qualquer mezinha. Contudo, continuava pobre o Chico Milheiro. Pobre mas orgulhosamente dono de si!

 

Fez-se à vida pelos dezasseis anos, idade em que a força de crescer tonifica os músculos e dá ao corpo a forma masculina do homem grande. Procurou trabalho por terras de Valpaços. Encontrou-o em Brunhais, na casa de um lavrador rico mas usurário. A produção de vinho era a sua principal actividade. Durante todo o ano, o Chico, não trabalhando na vinha, trabalhava no bacelo. Porém, aguentou-se pouco tempo neste patrão. O homem estava sempre com pressa de o fazer trabalhar e mesmo nas sagradas horas do repasto pressionava o desgraçado. Um belo dia reparou que o Chico soprava ao caldo de vagens chitcharras que fumegava numa malga à sua frente.

─ Despacha-te rapaz, temos a vinha da Silva para satchar!

─ Está quente o caldo, patrão!

─ Oh homem, bota-lhe água.

Água?!!!... Este patrão não me serve! E tão depressa o pensou como rumou ao mundo à procura de melhores promessas.

Deu com patrão novo no Planalto, lá para os lados de Carvela. Um homem austero, que vivia da batata e do centeio. Sofria, porém, da mesma doença do anterior: o tempo era sempre curto para o trabalho. Um belo dia, ainda no primeiro semestre do emprego, o Chico defrontava-se com uma bela malga de caldo de lombarda, reluzente e fumegante. Fora lançada directamente do pote, que à força do braseiro apurava num borbulhar de cachoeira nervosa. O Chico bem lhe soprava mas o raio do caldo não havia maneira de arrefecer.

─ Despacha-te, rapaz! Temos a leira dos Bagueiros para agradar nesta tarde. Uma campina!...

─ O caldo está quente patrão!

─ Oh Chico, bota-lhe pão!

Pão?!!!... Ora essa, pão tenho-o eu à farta à minha frente, cogitou o criado em jeitos de despedida. Não demorou um mês que pusesse a trouxa às costas e procurasse novo destino.

 

Rumou desta feita ao Carregal onde encontrou trabalho na casa do Ti Moreiras. Um lavrador remediado que repartia os seus dias entre o trabalho árduo da terra magra que mal dava para sobreviver e o relato apaixonado das peripécias da primeira Grande Guerra, onde fora combatente e prisioneiro. Mas também o Ti Moreiras gostava pouco de perder tempo, nomeadamente a comer. Um dia de malhada, pelo fim dum Julho de canícula, criado e patrão sentaram-se à mesma mesa para repor as forças num lauto almoço de couve, toucinho e feijão vermelho. Encheram as ventas! No fim, como era hábito em Trás-os-Montes, veio a malga de caldo de baijes. Fervente! O Chico bufava-lhe, desta vez não só para o arrefecer mas também e sobretudo para ver no que é que aquilo dava.

─ Apressa-te, home! A malhadeira reclama-nos. Temos de acabar a malhada hoje.

─ O caldo está quente patrão!

─ Bota-lhe binho, catano!

Ah grande patrão, este é que me serve!!!...

E, desta feita, laborou em casa do Ti Moreiras até desposar a Rosa Milheira. Uma rapariga simples, mas trabalhadeira, filha da Ti Carminda da Rua, uma cabaneira pobre.

 

O empenho do Chico Milheiro foi tal que o patrão Moreiras aceitou apadrinhar o seu casamento. Doou-lhe uma pequena horta contígua ao casebre onde o Chico morava. Não demorou que se despedisse. A Rosa e o Chico trabalhavam à jeira. O soldo, a hortita e as colmeias sempre davam para o consumo e, sequer ao menos, eram homens livres!

 

Tenho saudades das histórias do Ti Milheiro. Alimentou muita da imaginação que me havia de fazer voar por sítios onde nunca fui capaz de chegar sozinho.

Obrigado Francisco Milheiro também por reconheceres no Ti Moreiras as qualidade do homem bom que ele sempre foi!

Gil Santos

In Ecos do Planalto - estórias

 


publicado por Fer.Ribeiro às 23:54
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Quinta-feira, 12 de Novembro de 2009

Discursos Sobre a Cidade - 73


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(VII)

 

No bar, encontrou a clientela que esperava. Três ou quatro bebedores inveterados junto do barman, um ou dois jogadores de passagem para a sala do fundo e o resto, um grupo animado de rapazes, junto das janelas, apreciando as meninas que chegavam para a missa.

 

O barman sorriu-lhe, apelando à simpatia de uma pessoa que sabia ser importante. "Boa noite, inspector Vladimiro Bento! Já há muito que não o víamos por aqui." Habitualmente renitente a que o tratassem pelo nome próprio, decidiu não dar importância de maior à saudação, acenando de volta com um baixar e levantar de queixo.

 

Em Lisboa, no serviço, já estava por demais habituado aos remoques sobre o nome que o pai, entusiasta da revolta bolchevique, havia escolhido sem a menor hesitação. Mas a paciência desaparecia quando a essa graça juntavam os trocadilhos sobre S. Bento e o apelido.

 

Aguentara isso enquanto estagiário e agente, mas agora não. O posto e a idade haviam-lhe trazido respeito entre os colegas. Só os mais velhos ainda se atreviam a insinuar uma ligação ideológica ao pai, republicano saudosista, comunista indefectível, que dissera mal da situação até à morte.

 

O criado, ali, não saberia fazer essas insinuações. Queria apenas ser simpático e prestável, procurando cumplicidade e protecção. E uma boa gorjeta. Pediu um vermute. "Aperitivos?" Que sim, que ainda não tinha jantado. Estava de costas para as janelas, mas apercebera-se da debandada. A missa já tinha começado.

 

Anos antes juraria que andariam por ali mais alferes e tenentes. Mas talvez a mudança do quartel e a distância os tivesse dissuadido. Ao virar da esquina, antigamente, ficava agora quase fora da cidade.

 

"O senhor inspector quererá comer algo?", perguntou-lhe o barman. "Podemos arranjar-lhe um bife." Deveria ter feito um trejeito de surpresa, pois a explicação surgiu logo de seguida. "Sabe, cada vez temos mais gente ali na sala ao lado, e cada vez saem mais tarde. Tivemos que começar a arranjar uns petiscos e as pessoas começaram a protestar, porque a comida só ia para o reservado..."

 

Aquiesceu no bife. Entretanto, na sala, um grupo juntara-se a um canto, discutindo um quadro. Nos anos anteriores nunca reparara nele, devia estar ali há pouco. Eram apenas curvas, quadrados, rectângulos e nada mais. 

 

Virou-se para o barman. "Zé, o que é aquilo?"

 

A resposta chegou com um sorriso escarninho. "Diz bem senhor inspector, diz bem. Aquilo. Aquilo é uma coisa que agora para aí trouxeram. É de um rapaz que está em França, filho do nosso poeta. Diz que é pintor. Mas olhe que os azulejos que tenho lá em casa metem mais vista que essa coisa. Até um pedreiro com alguns tijolos, argamassa e um pedaço de tinta fazia melhor... Olhe, para não ir mais longe, ao pé disto, até o garoto que tenho lá em casa é um artista!"

 

(continua)

 


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Discursos Sobre a Cidade - 72


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Sexta-feira, 6 de Novembro de 2009

Discursos sobre a cidade - 71


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CONVERSAS COM ZEUS”

-VIII-

-HERMES entre nós-

 

 

Lá, pelo S. Domingos de VALDANTA, andava meio disfarçado o ministro da Informação e da Comunicação de Zeus.

Aproveitou a chave na porta da catedral da rua da Capela e atirou-se a um “Balcerdeira” fresquinho, não sem antes ter espreitado no forno por uma costelinha de cordeiro de Castelões.

Mas nós conhecemo-lo logo pelo falar.

Fizemos há-de conta que era um barrosão de Meixide e convidámo-lo para «um copo», ali, no Bar da Junta.

Mais sossegado, lá nos foi dizendo que por culpa das vezes que faz companhia a Zeus, quando este na visita, ganhou um certo «ganguinho» por estas ALDEIAS Flavínias, e que bem mais acertadas eram se ficassem instaladas nos arrabaldes do palácio real de Zeus.

Assiduamente põe em cima da mesa de Zeus os Post(ai)s dos Blogues da Normandia Tamegana. Zeus não pode passar sem lhes dar uma vista de olhos.

Disse-nos Hermes que Zeus, às vezes até pragueja!

 

-“Mas que CARA…G…LH…J (GALEGO!)… O que vem a ser isto?!”ouve-lhe Hermes, a Zeus, quando este topa com as camarárias asneiradas continuadas.

- “Depois lá tenho de o aturar”, queixa-se-nos Hermes.

Há dias, até lhe apanhámos, a Zeus, a dizer para consigo próprio: -“Qualquer dia, pego nos «Concertinas de Venda Nova», contrato-os para a “Pedreira do Baptista”, desafino-lhes as gaitas e mando-os sanfonar com tanta força (que nem as trombetas de Jerico!) que até os «timpanos» (tímpanos) dos “Timpanas” desses Lalinhos e Lalõezinhos vão ficar arrebentados, que é para aprenderem a ouvir  -   e fazer!   -    o que se lhes diz bem dito!

 

- Ena, Hermes! Atão bieste pràqui desanuBiar um bocado! - atirámos-lhe.

 

-E ZEUS, que anda a ficar pior que estragado com os maus tratos dos “medioc(r)oneiros” que têm administrado a “Cidade de Trajano”, resolveu ir passar umas férias grandes numa das ilhas pequenas sita entre duas das maiores ilhas do mundo  - a Greenlândia e a Hellulândia. Fez bem, pois aí pode refrescar a fervura dos azeites, com que andava.

‘Inda pensou em passar uns dias por Águas Frias, mas como lá no céu anda tudo em reboliço por causa das padroeirices dos santos e a Ti’Adélia inda o obrigava a subir ao cimo do poste ensebado!... Nã! Quando o “Lagar do Tino” estiver consertado, então, sim, Zeus virá lá com o PÃ dar um concerto e, talvez, um enxerto no responsável pelos silvedos que comem o Castelo de Rio Livre!

 

Hermes, vê-se, está bem dentro dos assuntos da Normandia Tamegana.

‘Inda estivemos para o obrigar a ficar para o S. Gonçalo de SEGIREI, mas como nunca mais chegava a «carta de chamada», talvez o mandemos vir só para a Srª das Necessidades, em CASTELÕES.

Oxalá Zeus não nos apareça por aí, por Chaves, Engaranhado!

 

E Hermes continuou:

- “Avizinha-se o campeonato das padroeirices políticas, cá pela federação de quinteiros «à beira-mar enfeudados». Como a maçã deixou de ser tentação, tentam os edenistas com rosas e laranjas.

Vão pela cor e não pelo sabor. Se não, bem ergueriam por símbolo a Batata da Montanha, o Pimento do Cambedo, a Couve Penca de qualquer horta tamegana, a Castanha de Nogueira, a Pinga de Arcossó ou Balcerdeira, a Noz de Vidago, a Melancia do Cando, o Melão de Outeiro Seco, o Trigo de Quatro Cantos de Faiões…

 

Alto aí, Hermes! – interrompemos, de sopetão.

Mas com que raio Hefesto fulminou a tua cachimónia! Que até parece quereres estar a ensinar o padre-nosso ao …

 

- Oh! Meu caro! - atalhou.

Se os Normando-Tameganos se ajuntassem todos no Largo do Arrabalde, sob uma das gloriosas (e saborosas!) bandeiras que tanto têm por onde escolher, lançavam o «Grito do FLAVIANGA» e, então, sim, teríeis aqui um Território Livre de políticos de raça minorca e Independente de governantes sacripantas!  

 

- Hermes, ora agora vamos lá beber um golito às Caldas!      dissemos-lhe, com uma palmadita no costado.

 

- Bem lembrado! – respondeu Hermes.

Está na hora de abalada, e quero chegar sem que se note ter ido daqui.

Para a “Feira do Gado” tendes-me cá, de certeza certezinha.

ZEUS vai querer saber as “noBidades” (ena, pá! Inté já’stou  àpanhar jeitos daqui!).

 

Fazia-se tarde.

Hermes estava “bem composto”.

Era hora de nos despedirmos «até à próxima».

Recomendámos-lhe para reservar na agenda de Zeus uma visita aos “SANTOS”.

Os deuses são-nos FIÉIS.

 

Tupamaro

 


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Discursos Sobre a Cidade - 70


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Discursos Sobre a Cidade - 69


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Discursos Sobre a Cidade 68-8 - Chaves


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