(IV)
O edifício da polícia contrastava tristemente com o novo Palácio de Justiça. Casebre de dois pisos, encostado à muralha medieval, tanto podia ser tomado por um armazém em mau estado como por uma casa desabitada. Para lá chegar, quem vinha da parte baixa subia uma íngreme ladeira que, percorrida a pé, parecia um calvário consagrado à Trindade.
Lembrava-se do trocadilho mental que fizera da primeira vez que andara ali pelas redondezas. De um lado a polícia, de outro a igreja e bem no meio uma elegante e discreta casa de jogo. A "santíssima trindade"...
A princípio, chegava sempre de carro à esquadra, para manter a distância, a discrição e, quando já era conhecido, o estatuto. Insistia sempre na discrição inicial por uma questão de método, mas ali percebera que um carro numa cidade pequena nada tinha de discreto.
A discrição passara então a ser também uma questão de surpreender pessoas desprevenidas em situações que se revelavam ora graves ora divertidas.
Ainda se ria de um episódio dos anos 40. Desconhecido na cidade, depois de farto jantar, dirigira-se sozinho para a velha buvete de granito. Tinham-lhe recomendado um pequeno passeio ao luar e um bom copo de água das caldas, para sentir as geadas de Dezembro, acomodar o estômago e aclarar as ideias.
Chegado à fonte, por entre a névoa da água quente, deparara-se com um polícia. Fardado, mas claramente embriagado. Este não fora com a sua cara, insistindo em pedir-lhe a identificação e em saber o que andava ali a fazer àquelas horas tardias alguém que ele, representante da autoridade, nunca tinha visto em Chaves.
Palavra puxara palavra, levando à apresentação das respectivas identificações. Como resultado, o sóbrio e digno representante da autoridade acabara por ir passar a noite nos calabouços da própria instituição, depois de admitir que tinha exagerado na medicação para combater o frio...
Ao que constava, não lhe tinha servido de lição. Juntamente com um vermelhusco e rubicundo colega continuava a ser um dos típicos e inofensivos patuscos da corporação.
Agora, quando já se sabia que estava na cidade, costumava subir a pé, desafiadoramente, a Rua Direita, a rua de maior comércio, para então chegar à Rua da Cadeia.
Ao contrário do habitual, naquele fim de tarde decidira subir a Rua de S. António, passando em frente do Cine-Teatro. Queria marcar bem o território, passando também junto dos cafés mais frequentados. Ao chegar ao Largo das Freiras, antes de subir a ladeira, estacou, virando-se lentamente para trás.
Uma mancha enorme e avassaladora, ameaçadoramente escura, surgia ao fundo da rua, no longínquo enfiamento da ponte. O Brunheiro cercava a cidade e a Madalena. A mesma mancha escura e indistinta, verde, castanha e cinzenta, que se recortava nas tardes de inverno. Era Maio, mas aquelas continuavam a ser terras de Montenegro.
(continua)
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